Quando cursei Teologia fui fortemente impelido a escrever minha monografia sobre fé. Em determinado momento, analisando parte do texto que serviu de base para minha tese, deparei-me com a segunda metade deste versículo, onde o Apóstolo diz ter como um dos propósitos de sua visita a Roma colher entre eles algum fruto (karpon). O termo me chamou a atenção porque o conceito cristão comumente ensinado sobre a palavra fruto é de pessoas que aderem ao evangelho, ou seja, fruto apenas como salvação em Cristo. Porém, percebi que nesse sentido o termo não ficava apenas empobrecido, mas destoava do restante do texto analisado (Rm 1.7-17 [1]), particularmente nos versículos precedentes nos quais Paulo reconhece a ação de Deus entre os Romanos, de modo que em suas vidas está evidente a força de um evangelho que, aparentemente, sem nenhum líder apóstolo teve eficácia suficiente para os edificar e sustentar a ponto de a sua fé já ser conhecida em “todo o mundo”. Em outras palavras, o Apóstolo está escrevendo a uma comunidade de fé já estabelecida.Quero que vocês saibam, irmãos, que muitas vezes planejei visitá-los, mas fui impedido até agora. Meu propósito é colher algum fruto entre vocês, assim como tenho colhido entre os demais gentios - Paulo aos Romanos 1.13.
Dessa
forma, não creio que seja nesse sentido que Paulo esteja usando aqui a palavra,
pois estava se dirigindo a pessoas que já conheciam o Evangelho. Prova disso é
que apesar de não ter havido ainda contato pessoal com as comunidades em Roma,
Paulo os elogia por sua fé madura. Além de tudo, considerando a quantidade de
pessoas que poderia ser evangelizada, Paulo estaria sendo demasiadamente
modesto se entre um número tão grande de gentios pretendesse apenas algum convertido, justo ele que tanto
se empenhava e se desgastava em função do seu chamado.
A palavra
fruto e suas derivações é bastante utilizada nos escritos paulinos geralmente
com a conotação de ações ou atos de pessoas em relação - favorável ou não - a
outrem. Veremos brevemente aqui que fruto em Paulo aparece ordinariamente como
o resultado de uma vida voltada aos propósitos de Deus e assim abrange uma gama
enorme de ações individuais e/ou coletivas comumente denominadas por ele de
boas obras. Elas têm por finalidade direcionar, mudar e marcar a vida do
cristão de modo que todas as suas ações sejam em prol do Corpo e glorifiquem a
Deus. Sigamos...
Alguns
capítulos à frente, discorrendo sobre Lei e graça em Cristo, Paulo usa o termo
para descrever os frutos de
justiça que conduzem à santificação, ao contrário dos frutos de vidas (corpos) postas a serviço da impureza e do
pecado (Rm 6.18-22).
Em sua Carta
aos Filipenses, ele fala dos frutos como atos de amor, discernimento,
conhecimento e percepção que eles têm uns pelos outros. Por esses frutos o Apóstolo
ora para que aumentem e gerem entre eles outros frutos, isto é, frutos de justiça que procedem de Cristo e
glorifiquem a Deus (Fp 1.9-11).
Paulo também chama de fruto o serviço de assistência (coleta) que
estava sendo feito para auxiliar os fiéis de Jerusalém. Em sua segunda Carta
aos Coríntios ele adiantou que, diante de Deus, essa boa obra multiplicaria e
faria crescer neles os frutos
da justiça e que tais serviços redundariam em ações de graças e glorificação a
Deus (II Co 9.8-15). É sobre esse assunto que Paulo trata pouco tempo depois
por ocasião deste escrito (Rm 15.28), dizendo que estaria com os cristãos de
Roma assim que deixasse em Jerusalém o produto, isto é, o fruto da coleta realizada junto às
igrejas da Acaia e da Macedônia.
Exortando
os Gálatas quanto aos procedimentos que não edificavam nem glorificavam a Deus,
Paulo expõe o fruto do Espírito
como atos que se manifestam na vida de modo concreto, e aconselha para que não
apenas vivam por eles, mas também andem por eles, isto é, que os pratiquem
deixando que esses frutos se manifestem no seu relacionamento diário (Gl 5.22).
Aos
colossenses, o Apóstolo envia elogiosos incentivos para que continuem a frutificar em toda boa obra (Cl 1.10).
E, por fim, em relação ao duro trabalho missionário e pastoral realizado, em
parte, por ambos, Paulo anima seu amigo Timóteo dizendo que, como bom
agricultor, colheria, a seu tempo, os frutos
(II Tm 2.1-6).
Entendemos,
portanto que, ordinariamente, esse era o sentido e uso do termo fruto por Paulo.
Dessa forma, pretendia o Apóstolo obter entre os de Roma, assim como entre
esses outros gentios citados, os frutos da fé, da obediência e das boas obras.
Os bons frutos que são gerados em todos os aspectos da vida comunitária e que
redundam em glórias ao nome do Senhor. Paulo acreditava tanto nessa disposição
das pessoas em perseverar frutificando na vivência do Evangelho que já dava por
concluída a sua missão nas primeiras comunidades que trabalhou e com as quais
compartilhou a boa e alegre notícia da salvação em Cristo. O anúncio agora
seria continuado pelas igrejas estabelecidas e ele, por sua vez, buscaria
outros campos de trabalho, novas perspectivas, e novos frutos.
Valdenir
Soares - Teólogo e Professor
[1] Baseado em: SOARES, Valdenir. Uma fé viva e eficaz: propostas para a vida cristã a partir de Romanos
1.7-17. Trabalho de Conclusão de Curso. Seminário Teológico de Fortaleza
(IPIB). Fortaleza, Ceará, 2004.