Quem nunca ouviu aquele comentário maldoso e
machista de que fevereiro é o mês em que as mulheres falam menos? Pois é, quando
criança também ouvi essa brincadeira e na minha curiosa infantilidade fiquei
sem entender nada até que, de boa vontade, um adulto me esclareceu o gracejo. Não
sei o porquê, mas todas as vezes que me recordo desse fato pitoresco sempre o
vejo relacionado aos antônimos barulho-silêncio, pois temos vivido tempos em
que os dias são demasiadamente ruidosos e movimentados onde, por vezes, como no
texto acima citado, um pouco de silêncio faria um grande bem.
Brincadeiras à parte, e ainda que não seja
esse o objetivo dessa reflexão, apenas para entendermos minimamente sobre esse “silêncio
celeste”, é preciso localizar essa passagem dentro de um contexto que, desde o
Cap. 6, trata da questão da abertura dos selos dos juízos de Deus. Nos
primeiros quatro selos, sempre que um é aberto um ser celeste fala algo ao
apóstolo João. No quinto selo há os clamores dos mártires. No sexto, além do
barulho de um grande terremoto e da desordem de todos os elementos da terra, há
também clamores do povo às montanhas e rochas, e logo em seguida outros louvores
das multidões diante de Deus e do Cordeiro. Porém, no sétimo selo acontece algo
novo, pois quando ele é aberto faz-se, então, esse grande e enigmático (ou
pouco explicado) silêncio; um silêncio absoluto...
Há por trás desse texto do Apocalipse um
efeito dramático por causa da profundidade dessa quietude. Contrariamente ao vozerio
e tumulto dos acontecimentos anteriores, nesse momento não havia nenhum ser
celestial falando. Não se ouvia nenhum coro de louvor, nem vozes de adoração,
nenhum som vindo do trono, nada; as revelações cessaram e nenhum ruído se
ouvia. O que levaria céus e terra a permanecer todo esse tempo em silêncio na
presença do Senhor?!
A Bíblia cita inúmeras vezes o silêncio e dá
a entender o quanto é importante aquietar-se diante do agir de Deus. As principais palavras para definir silêncio,
tanto no Antigo quanto no Novo Testamento, tem o sentido de: calma, quietude
interior - ausência de agitação ou fala; aquietar-se - permanecer quieto e/ou
calado; silenciar-se - parar de falar e/ou produzir sons; ser silenciado -
morto/destruído; não estar autorizado a agir e/ou falar; descansar - permanecer
esperando; dar atenção silenciosa.
Entretanto, ao contrário da recomendação
bíblica do silêncio prudente, o que se vê entre as pessoas são agitação e
movimento acompanhados de muito ruído. Tudo, desde as novidades mais fúteis e
banais até o que se considera mais importante (porém, nem sempre oportuno),
produz perturbações, na maioria das vezes sem justificativas. Mas você já se
perguntou por que algumas pessoas falam tanto e produzem tanta agitação? De
acordo com as palavras do Senhor Jesus, um coração inquieto é um coração ainda
não regenerado pela Palavra de Deus e que dá vazão a tudo o que está dentro
dele (Mc 7.20-22). Enfim, é um coração que não guarda silêncio.
Dessa forma, podemos concluir que entre as principais causas da falta de silêncio interior estão:
Dessa forma, podemos concluir que entre as principais causas da falta de silêncio interior estão:
A animosidade - segundo a própria Bíblia animosidades são
disputas, discussões inúteis, ressentimentos, questionamentos gratuitos (Lc
5.21, 22; Rm 14.1; Fp 2.14);
A soberba - de acordo com um dicionário bíblico, soberba é orgulho, arrogância,
conceito elevado de si mesmo e dos seus méritos, o que leva ao agir e falar
precipitadamente sem discernir a vontade, os propósitos e o tempo de Deus, e a
olhar os outros de cima para baixo e tratá-los com insolência e desprezo. (Pv
13.10; 16.18; Sl 19.13, Pv 11.2; Dt 17.12; Hc 2.4; Tg 4.6; I Pe 5.5);
A ira - o mesmo dicionário bíblico diz que ira é raiva, disposição natural
(carnal), emoção violenta, raiva mostrada em castigo, indignação, furor (Lv
19.18; Jó 5.2; Pv 12.16; 19.19; Jó 36.18; Sl 37.8; Cl 3.8; I Tm 2.8).
Em face a tudo isso a Palavra de Deus
recomenda a serenidade, a humildade e a mansidão porque a ira do homem não
produz a justiça de Deus (Tg 1.20). Mas, por que para muitos é tão difícil
permanecer algum tempo em silêncio? A resposta mais verdadeira e intrigante
para essa pergunta é que o silêncio é questionador. Todas essas coisas citadas,
como a animosidade, a soberba, a ira e tantas outras deficiências da natureza
humana levam à agitação, ao barulho e ao confronto com aquilo que é externo. Ao
contrário, permanecer reservado e em silêncio leva a pessoa ao confronto
consigo mesma e com a própria consciência. Por isso, muitos não conseguem
permanecer em silêncio, pois temem encontrar-se com quem realmente são.
Todavia, para aqueles que conhecem os propósitos do Senhor, o silêncio é amigo conselheiro e esclarecedor, pois somente aqueles que permanecem no silêncio obterão respostas
satisfatórias, independente de serem agradáveis ou não.
Dentre os sinônimos bíblicos citados, vemos
que a maioria deles chama a atenção para a quietude interior e discernimento,
pois é um silêncio que tem a ver com uma espera calma. Inicialmente é um duro
exercício de domínio próprio, pois há naturalmente em todas as pessoas algum
tipo de agitação, seja para fora ou para dentro, que a leva a produzir barulho.
Porém, com paciência e perseverança, passa-se a ouvir mais a voz do Espírito de
Deus e a afinar (sintonizar) os próprios pensamentos com os pensamentos de Deus de modo
que as inquietações deem lugar à paz e ao silêncio.
O fato de fevereiro ser o menor mês do ano
e, de acordo com a piada, as pessoas terem menos dois ou três dias para falar
não é a certeza de que falarão menos, se agitarão menos ou farão menos ruídos. É
importante, porém, saber que Deus não fará nada apenas porque as pessoas estão
ansiosas, agitadas ou barulhentas. Sua recomendação é: “Aquietem-se e saibam que
eu sou Deus...” (Sl 46.10).
Portanto, deixe Deus ser Deus, e deixe Deus
ser Deus em sua vida. Quanto a você, faça ao menos meia hora de silêncio!
Em relação ao misterioso silêncio de Apocalipse 8.1,
há inúmeras ponderações, muitas fantasiosas e pouco fundamentadas. De acordo
com os versículos 3 e 4, escolho crer que o silêncio absoluto é a forma como Deus
se põe diante das orações dos seus santos que, como incenso, sobem até a sua soberana
presença.
Valdenir Soares - Teólogo e Professor
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