quarta-feira, 25 de junho de 2014

Disposição versus Disponibilidade



E Eliseu voltou, apanhou a sua parelha de bois e os matou. Queimou o equipamento de arar para cozinhar a carne e a deu ao povo, e eles comeram. Depois partiu com Elias tornando-se o seu auxiliar - I Reis 19.21.



Imagine que um amigo que gosta muito de pescar lhe convide para irem ao Pantanal por uma semana com tudo pago. Você, que coincidentemente estará em férias, aceita prontamente. Porém, três dias antes de viajarem você desiste justificando que não havia pensado direito sobre o assunto, nem avaliado os prós e os contras quanto à longa viagem, desconfortos, picadas de mosquitos etc. O seu amigo então liga para um amigo de antigas aventuras e que também é apaixonado por pescaria. Todo animado o rapaz se programa, arruma os apetrechos e fica preparado. Porém, para sua tristeza, um colega de trabalho fica doente e ele tem que substituí-lo...

O que essa pequena história nos mostra é que disposição e disponibilidade nem sempre andam juntas, mas as implicações que elas trazem são mais presentes do que imaginamos. Tudo o que se quer fazer na vida depende delas, e muitas coisas positivas ou negativas acontecem ou deixam de acontecer pelo simples fato de haver ou não disposição e disponibilidade.

Mas o que são disposição e disponibilidade? Disposição é determinação, ânimo, vontade - baseada no empenho e no zelo. Foi o que aconteceu na primeira hipótese acima citada: havia toda a disponibilidade já que o rapaz estaria em férias, mas não havia determinação, vontade verdadeira. Disponibilidade, por sua vez, é qualidade ou estado de disponível; é estar livre, sem impedimentos. O segundo caso mostra que havia disposição; aquele rapaz estava pronto, preparado, desejoso, voluntário, mas havia um impedimento, faltou disponibilidade, e aquele amigo “pirangueiro” acabou viajando sozinho.

Na Bíblia também há muitos acontecimentos que giram em torno de disposição e disponibilidade. Na verdade isso acontece porque são elas que dão o colorido às nossas experiências com Deus.

Então o Senhor disse a Abrão: “Saia da sua terra, do meio dos seus parentes e da casa de seu pai, e vá para a terra que eu lhe mostrarei. Farei de você um grande povo, e o abençoarei. Tornarei famoso o seu nome, e você será uma bênção. Abençoarei os que o abençoarem e amaldiçoarei os que o amaldiçoarem; e por meio de você todos os povos da terra serão abençoados”.

Partiu Abrão, como lhe ordenara o Senhor, e Lot foi com ele. Abrão tinha setenta e cinco anos quando saiu de Harã - Gênesis 12.1-4.

Vejam a história do chamado de Abrão. Nesse encontro aconteceu algo totalmente novo em sua vida, mas também foi algo que só se tornou completo pela resposta (feedback) que teve. Houve uma palavra, um chamado, e essa palavra gerou fé, e essa fé gerou imediatamente em Abrão a disposição e a disponibilidade. A partir daí não houve mais impedimentos, e assim “Partiu Abrão, como lhe havia ordenado o Senhor...”.

Vamos comparar com a história do Profeta Jonas.

A palavra do Senhor veio a Jonas, filho de Amitai, com esta ordem: “Vá depressa à grande cidade de Nínive e pregue contra ela, porque a sua maldade subiu até a minha presença”. Mas Jonas fugiu da presença do Senhor, dirigindo-se para Társis. Desceu à cidade de Jope, onde encontrou um navio que se destinava àquele porto. Depois de pagar a passagem, embarcou para Társis, para fugir do Senhor - Jonas 1.1-3.

Com Jonas acontece algo totalmente diferente. Quando Deus o chama para uma missão, apesar de já se presumir haver nele a disponibilidade, pois já era reconhecido como profeta do Senhor (II Reis 14.25), não houve nele disposição, mas desculpas e fuga da presença de Deus.

Trazendo para o Novo Testamento, lembramos também que durante toda sua vida terrena Jesus vivenciou situações de disposição e disponibilidade, umas positivas, outras negativas. Em certa ocasião no início do seu ministério a Palavra diz que ao chamar um grupo de pescadores “No mesmo instante eles deixaram as suas redes e o seguiram” (Marcos 1.16-20). Mas fala também que certo homem rico, que mostrava respeitável disposição em seguir a lei e guardar os mandamentos, não passou pelo teste da disponibilidade, pois estava preso às muitas coisas da vida (Mateus 19.16-22).

Porém, um dos encontros mais radicais entre disposição e disponibilidade se encontra no chamado de Eliseu, um jovem e simples camponês, que estava cuidando de seus afazeres.

Então Elias saiu de lá e encontrou Eliseu, filho de Safate. Ele estava arando com doze parelhas de bois, e estava conduzindo a décima segunda parelha. Elias o alcançou e lançou sua capa sobre ele. Eliseu deixou os bois e correu atrás de Elias. “Deixa-me dar um beijo de despedida em meu pai e minha mãe - disse - e então irei contigo”. “Vá e volte - respondeu Elias - lembre-se do que lhe fiz”. E Eliseu voltou, apanhou a sua parelha de bois e os matou. Queimou o equipamento de arar para cozinhar a carne e a deu ao povo, e eles comeram. Depois partiu com Elias tornando-se o seu auxiliar - I Reis 19.19-21.

As circunstâncias e a forma como foi tocado pelo chamado (manto de Elias) despertou em Eliseu uma disposição tão grande que o levou a se despedir dos pais. Porém, foi a convicção que teve das implicações do acontecimento que o levou a matar sua parelha de bois, assá-los com a madeira do arado, e fazer uma refeição de despedida dos seus amigos. Ou seja, Eliseu tinha a disposição e então criou a disponibilidade, em parte fazendo um ajuste, e em parte livrando-se do que o poderia impedir. A partir daí esteve totalmente disponível para andar com Elias “tornando-se o seu auxiliar”.

As histórias acima expostas não estão sugerindo que ninguém que se une à igreja abandone a família, deixe os amigos, o trabalho, os negócios para estarem à frente do povo de Deus. Na Igreja de Cristo existem muitos serviços, muitos chamados, e existem muitos que são chamados e comissionados para determinados serviços; alguns até recebem para isso. O que precisamos entender é que quando fazemos a escolha de seguirmos e servirmos a Cristo estamos mostrando a nossa disposição em realmente conhecê-lo, andar com ele e com seu povo em uma comunidade de fé, e isso vai exigir de nós não apenas disposição, mas disponibilidade. É preciso que todos saibam que a vida cristã tem suas exigências, e que todo que é comissionado saiba que toda função (eletiva ou não, remunerada ou não) na igreja vai exigir de você - repito - não apenas disposição, mas também disponibilidade. Como segui-lo e servi-lo sem andar com ele e com seu povo. E como andar como ele e com seu povo se não há nenhum tempo para isso? 
A Bíblia diz que quem almeja uma função à frente do povo de Deus “excelente obra almeja” (I Timóteo 3.1). Porém há de se avaliar os prós e os contras, a disposição e a disponibilidade para o serviço. Não se deve buscar uma função sem pesar as consequências, apenas por vaidade ou qualquer outro sentimento. Qual é a disponibilidade para exercer a função e ocupar tal cargo? Toda atividade humana requer aperfeiçoamento, mas nem sempre a pessoa está disposta a estudar, participar, desenvolver, compartilhar e crescer naquilo que se está fazendo. Lembre-se que a vida é um todo. Ela não se resume só em estudos, diversão, trabalho, negócios. A tradição bíblica e cristã ensina que há muitas alegrias e recompensas por uma função bem desempenhada (I Timóteo 3.13; I Pedro 5.1-4); há muitas alegrias e recompensas para aqueles que na vida cristã e no serviço encontraram disposição e disponibilidade.

Valdenir Soares - Teólogo e Professor.