sexta-feira, 26 de fevereiro de 2016

Faça, ao menos, meia hora de silêncio...



“Quando ele abriu o sétimo selo houve silêncio nos céus
cerca de meia hora” - Apocalipse 8.1.

Quem nunca ouviu aquele comentário maldoso e machista de que fevereiro é o mês em que as mulheres falam menos? Pois é, quando criança também ouvi essa brincadeira e na minha curiosa infantilidade fiquei sem entender nada até que, de boa vontade, um adulto me esclareceu o gracejo. Não sei o porquê, mas todas as vezes que me recordo desse fato pitoresco sempre o vejo relacionado aos antônimos barulho-silêncio, pois temos vivido tempos em que os dias são demasiadamente ruidosos e movimentados onde, por vezes, como no texto acima citado, um pouco de silêncio faria um grande bem.
Brincadeiras à parte, e ainda que não seja esse o objetivo dessa reflexão, apenas para entendermos minimamente sobre esse “silêncio celeste”, é preciso localizar essa passagem dentro de um contexto que, desde o Cap. 6, trata da questão da abertura dos selos dos juízos de Deus. Nos primeiros quatro selos, sempre que um é aberto um ser celeste fala algo ao apóstolo João. No quinto selo há os clamores dos mártires. No sexto, além do barulho de um grande terremoto e da desordem de todos os elementos da terra, há também clamores do povo às montanhas e rochas, e logo em seguida outros louvores das multidões diante de Deus e do Cordeiro. Porém, no sétimo selo acontece algo novo, pois quando ele é aberto faz-se, então, esse grande e enigmático (ou pouco explicado) silêncio; um silêncio absoluto...
Há por trás desse texto do Apocalipse um efeito dramático por causa da profundidade dessa quietude. Contrariamente ao vozerio e tumulto dos acontecimentos anteriores, nesse momento não havia nenhum ser celestial falando. Não se ouvia nenhum coro de louvor, nem vozes de adoração, nenhum som vindo do trono, nada; as revelações cessaram e nenhum ruído se ouvia. O que levaria céus e terra a permanecer todo esse tempo em silêncio na presença do Senhor?!
A Bíblia cita inúmeras vezes o silêncio e dá a entender o quanto é importante aquietar-se diante do agir de Deus.  As principais palavras para definir silêncio, tanto no Antigo quanto no Novo Testamento, tem o sentido de: calma, quietude interior - ausência de agitação ou fala; aquietar-se - permanecer quieto e/ou calado; silenciar-se - parar de falar e/ou produzir sons; ser silenciado - morto/destruído; não estar autorizado a agir e/ou falar; descansar - permanecer esperando; dar atenção silenciosa.
Entretanto, ao contrário da recomendação bíblica do silêncio prudente, o que se vê entre as pessoas são agitação e movimento acompanhados de muito ruído. Tudo, desde as novidades mais fúteis e banais até o que se considera mais importante (porém, nem sempre oportuno), produz perturbações, na maioria das vezes sem justificativas. Mas você já se perguntou por que algumas pessoas falam tanto e produzem tanta agitação? De acordo com as palavras do Senhor Jesus, um coração inquieto é um coração ainda não regenerado pela Palavra de Deus e que dá vazão a tudo o que está dentro dele (Mc 7.20-22). Enfim, é um coração que não guarda silêncio.
Dessa forma, podemos concluir que entre as principais causas da falta de silêncio interior estão:
A animosidade - segundo a própria Bíblia animosidades são disputas, discussões inúteis, ressentimentos, questionamentos gratuitos (Lc 5.21, 22; Rm 14.1; Fp 2.14);
A soberba - de acordo com um dicionário bíblico, soberba é orgulho, arrogância, conceito elevado de si mesmo e dos seus méritos, o que leva ao agir e falar precipitadamente sem discernir a vontade, os propósitos e o tempo de Deus, e a olhar os outros de cima para baixo e tratá-los com insolência e desprezo. (Pv 13.10; 16.18; Sl 19.13, Pv 11.2; Dt 17.12; Hc 2.4; Tg 4.6; I  Pe 5.5);
A ira - o mesmo dicionário bíblico diz que ira é raiva, disposição natural (carnal), emoção violenta, raiva mostrada em castigo, indignação, furor (Lv 19.18; Jó 5.2; Pv 12.16; 19.19; Jó 36.18; Sl 37.8; Cl 3.8; I Tm 2.8).
Em face a tudo isso a Palavra de Deus recomenda a serenidade, a humildade e a mansidão porque a ira do homem não produz a justiça de Deus (Tg 1.20). Mas, por que para muitos é tão difícil permanecer algum tempo em silêncio? A resposta mais verdadeira e intrigante para essa pergunta é que o silêncio é questionador. Todas essas coisas citadas, como a animosidade, a soberba, a ira e tantas outras deficiências da natureza humana levam à agitação, ao barulho e ao confronto com aquilo que é externo. Ao contrário, permanecer reservado e em silêncio leva a pessoa ao confronto consigo mesma e com a própria consciência. Por isso, muitos não conseguem permanecer em silêncio, pois temem encontrar-se com quem realmente são. Todavia, para aqueles que conhecem os propósitos do Senhor, o silêncio é amigo conselheiro e esclarecedor, pois somente aqueles que permanecem no silêncio obterão respostas satisfatórias, independente de serem agradáveis ou não.
Dentre os sinônimos bíblicos citados, vemos que a maioria deles chama a atenção para a quietude interior e discernimento, pois é um silêncio que tem a ver com uma espera calma. Inicialmente é um duro exercício de domínio próprio, pois há naturalmente em todas as pessoas algum tipo de agitação, seja para fora ou para dentro, que a leva a produzir barulho. Porém, com paciência e perseverança, passa-se a ouvir mais a voz do Espírito de Deus e a afinar (sintonizar) os próprios pensamentos com os pensamentos de Deus de modo que as inquietações deem lugar à paz e ao silêncio.
O fato de fevereiro ser o menor mês do ano e, de acordo com a piada, as pessoas terem menos dois ou três dias para falar não é a certeza de que falarão menos, se agitarão menos ou farão menos ruídos. É importante, porém, saber que Deus não fará nada apenas porque as pessoas estão ansiosas, agitadas ou barulhentas. Sua recomendação é: “Aquietem-se e saibam que eu sou Deus...” (Sl 46.10).
Portanto, deixe Deus ser Deus, e deixe Deus ser Deus em sua vida. Quanto a você, faça ao menos meia hora de silêncio!
Em relação ao misterioso silêncio de Apocalipse 8.1, há inúmeras ponderações, muitas fantasiosas e pouco fundamentadas. De acordo com os versículos 3 e 4, escolho crer que o silêncio absoluto é a forma como Deus se põe diante das orações dos seus santos que, como incenso, sobem até a sua soberana presença.

Valdenir Soares - Teólogo e Professor