terça-feira, 8 de outubro de 2013

Dia da Criança: o que temos para comemorar?


Ainda que em determinadas épocas e lugares históricos as crianças não sejam mencionadas ou consideradas importantes esse não é o pensamento cristão e nem mesmo do antigo povo da Aliança, o povo hebreu. Ao contrário, diversos relatos bíblicos em muitas e variadas circunstâncias fazem menção às crianças. Elas aparecem tanto em situações alegres e festivas quanto infelizes e trágicas. Na maioria das vezes, essas crianças simplesmente fazem parte da vida comum da família e compartilham dos acontecimentos habituais da vida sejam eles favoráveis ou não. 
Há, por exemplo, a história de Isaac uma criança que ao ser prenunciada foi motivo de riso para sua mãe, Sarah, e para seu pai Abraão, ambos já avançados em idade. Seu nascimento trouxe, ao mesmo tempo, provas do poder e da fidelidade de Deus. A história sagrada registra que nos tempos em que José se tornou governador do Egito havia grande fome naquela região por conta de uma terrível seca. No grupo dos familiares de José, recebido por ele no Egito, havia também algumas crianças que foram livradas da fome e da morte (Gênesis 50.11). Quatrocentos e trinta anos depois, ao saírem vitoriosos sobre o mau Faraó que então reinava, já não eram algumas, mas milhares (Êxodo 12.37). Outro relato nos informa que quando o arrependido Jacob decide retornar das terras de Harã e confrontar a ira de seu irmão Esaú, do qual havia roubado o direito e a bênção de filho mais velho, trazia consigo suas esposas e crianças que eram parte dos temores do marido e pai aflito (Gênesis 33.1-3). E, ainda, outro texto nos mostra que uma criança fruto do adultério de David com Bat-Sheba foi motivo de lamentos, jejuns e choro (II Samuel 12.22). E, assim, por toda a Bíblia elas são lembradas nos Provérbios (Provérbios 22.6), cantadas nos Salmos (Salmo 8.2), e como bons discípulos estavam incluídas na primeira e segunda multiplicação dos pães (Mateus 14.21; 15.38). 
Entretanto, a Bíblia também contém inúmeras e emocionantes histórias em que, mais que simples participantes, elas são os personagens principais. Uma das que mais me chamam a atenção por seu contexto adverso é a história do menino Moisés. Num tempo em que os hebreus de sexo masculino recém-nascidos deveriam ser mortos, Moisés, filho de hebreus, foi privilegiado com um tríplice cuidado: o cuidado de Deus, que por seu intermédio haveria de libertar seu povo da escravidão; o cuidado afetuoso de sua mãe, Joquebed, que sabiamente o livrou da morte e o criou; e o cuidado da filha de Faraó que o educou como filho dando-lhe, inclusive, o nome. Esses cuidados que por providência divina Moisés teve na sua infância e juventude o moldaram como pessoa e como servo de Deus. Em alguns momentos de sua vida fraquejou e errou, mas humildemente se recompôs permitindo que o Senhor o levasse a cumprir o papel bíblico e histórico que bem conhecemos. 
Hoje vivemos em um mundo que se impõe sobre a existência humana, no qual a vida social, o trabalho, os bens, o dinheiro e o status concorrem com a falta de tempo para cuidados de pai e mãe. Diante da constatação da urgência desses cuidados para com as nossas crianças, como nos posicionamos? 
O Teólogo e escritor Rubem Amorese em seu livro Igreja & Sociedade [1] conclui que é exatamente no meio familiar que tem faltado cuidado a muitas crianças. Ele traz o assunto do abandono infantil para dentro dos lares e cita graus desse abandono. Segundo ele, muitas crianças estão abandonadas em frente à televisão e passam mais de 6 horas por dia recebendo, sem nenhuma censura, tudo o que é considerado “apropriado” para o horário. Pesquisas revelaram que em uma semana essas “babás eletrônicas” exibiram 1.145 cenas de nudez; 276 relações sexuais; 72 palavrões; 707 brigas e facadas e 1.940 disparos de armas de fogo, mostrando com quantos tiros e cenas eróticas a televisão cria as crianças enquanto os pais acham tudo natural. 
Amorese fala também das crianças abandonadas em creches e escolinhas. O que em situações normais pode ser oportunidades de amadurecimento, sociabilização e crescimento, pode também estar mascarando a falta de paciência, a falta de afeto e a falta de amor dos pais; há muito abandono brando e velado nessa situação. Não chega a ser rejeição, no sentido doentio do termo, mas produz sobre a psiquê da criança danos mais ou menos sérios porque, por mais profissional que seja uma “tia”, a falta de convívio com um pai e uma mãe um dia cobrará o seu tributo. Se isso tudo acontece no ambiente familiar, o que diremos, então, das crianças abandonadas nas ruas? 
Mesmo sem poder, digamos, assumir o seu filho a mãe de Moisés não foi omissa e certamente lhe deu instruções valiosas a respeito do seu povo, de suas tradições, de sua educação e do conhecimento do Deus Único e Verdadeiro, Criador de todas as coisas em cujo caminho ele deveria andar. A providência divina tantas vezes buscada apenas no fantástico e sobrenatural se concretiza também - e principalmente - por meio de mães e pais que estão atentos aos seus filhos e filhas, cuidando por onde andam, filtrando o que vêem nos meios de comunicação, mas, especialmente conduzindo-os ao caminho da simplicidade, obediência e retidão como, exemplarmente, faziam Ana e Elcana, pais do menino Samuel, Zacarias e Isabel, pais de João o precursor de Jesus, José e Maria e tantos outros (I Samuel 1.24ss; Lucas 1.59; 2.41, 42).
Nesse 12 de outubro teremos muito que comemorar se muitos reconhecerem que foram postos, por providência de Deus, mães e pais zelosos na edificação da vida e da história de seus filhos e filhas. Que Deus nos de graça nessa árdua e maravilhosa tarefa. 


Valdenir Soares - Teólogo e Professor
[1] AMORESE, Rubem M. Igreja & sociedade - o desafio 
de ser cristão no Brasil do século XXI. Viçosa: Ultimato, 1998, p. 103\4.

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