O período
do serviço apostólico de Paulo situa-se entre os anos 32 e 67 onde ocorreram os
eventos comumente chamados de conversão - com o imediato início do anúncio da
nova fé cristã -, e martírio, na cidade de Roma, após 25 anos de intenso
trabalho missionário e não menos intenso e profícuo trabalho literário nos
quais nos legou farta literatura, uma teologia solidamente construída e
sistematizada, e um exemplo de vida e dedicação ao serviço e Reino de Deus como
nunca se soube até os nossos dias e dificilmente se verá presente ou
futuramente.
Durante
esse tempo o Império Romano teve como seus governantes máximos quatro nomes sob
os quais, com maior ou menor crueldade ou benevolência, estavam os destinos das
inúmeras etnias conquistadas, que juntamente com gregos e romanos perfaziam
milhões de pessoas espalhadas por vastas regiões territoriais. Esses
territórios eram divididos em províncias que por sua vez eram postas sob a
autoridade de governadores estabelecidos por Roma e que tinham por competência os assuntos militares,
jurídicos e financeiros [1]. Inicialmente esses governantes eram chamados de prefeitos (do latim praefectus),
ou éparchos em grego e, posteriormente, procurador (do latim
procurator); ou epítropos - tutor, administrador no grego da época.
Nas províncias os povos conquistados eram distribuídos em classes sociais de acordo com o seu
poder financeiro ou quantidade de bens ou, ainda, seu grau de conhecimento e/ou
influência junto a algum governador provincial, procurador ou mesmo ao próprio
imperador.
Neste período temos, respectivamente
e em ordem de ascensão, quatro imperadores:
Tibério (14-37) [2] –
imperador enérgico e resoluto, bastante dedicado às províncias e eficiente em
questões de ordem pública e segurança. Foi imperador por vinte e três anos e
lembrado com certo exagero pelo escritor Fílon de Alexandria como aquele que em
cujo governo “não deixou a menor faísca de guerra se acender” em seus domínios [3];
Ao contrário de Tibério, Gaio
Calígula (37-41) seu sucessor [4] foi considerado, em termos de ordem e segurança,
um dirigente fraco pois durante o seu governo houve em Alexandria (38) um
tumulto violento entre os judeus residentes naquela cidade e a população
periférica que pedia ao prefeito local, Ávilo Flaco, o seu rebaixamento a
forasteiros sem direito de domicílio. Em outra ocasião ordenou que o Templo de
Jerusalém fosse transformado em um santuário imperial onde seria erigida uma
estátua sua, fato que não se consumou, pois Calígula foi assassinado em janeiro
de 41 [5];
Cláudio (41-54) foi considerado um
dirigente pacificador, extremamente humano e de muito bom senso principalmente
em relação aos atos anteriores de Calígula contra os judeus [6]. Porém,
desde o início de seu governo os advertiu de que a ordem e a convivência
pacífica seriam critérios básicos para a manutenção de seus privilégios os
quais começaram a enfraquecer ainda no primeiro ano desse imperador e foram,
pouco a pouco, sendo diluídos culminando com a expulsão de muitos deles em 49 [7];
Nero, sucessor de Claudio, ao se
tornar imperador (54-68) foi visto por muitos como alguém desinteressado na
ordem e preservação do domínio imperial. Na verdade, não era Nero quem
governava e sim seu mestre Sêneca e enquanto pôs em prática suas teorias, tanto
a capital quanto o império estiveram tranquilos e prósperos [8]. Pouco
depois começou a voltar-se para outros conselheiros e a adquirir excentrismos
de tal modo que as suas manias foram comparadas - não sem temor, e
particularmente pelos judeus - às de Calígula [9]. A partir de então as instabilidades começaram
a gerar dificuldades na resolução de problemas que sobrevinham ao império já
bastante desgastado tornando-o ainda mais desprestigiado aos olhos do Senado e
de todo o povo.
Quando Paulo começou a empreender as primeiras
perseguições aos chamados seguidores da nova seita do Caminho - por esse tempo, uma
em meio a tantas outras expressões religiosas que então fervilhavam entre a
mista população do vasto Império Romano -, Tibério estava no seu décimo nono
ano de governo e vivia-se o ano 33 [10] do tempo que viria a ser denominado pelos
próprios romanos Anno Domini.
Em 189 a.C., quando ainda era uma cidade-estado, Roma
conquistou todo o mediterrâneo submetendo os povos a tributários, que desde
então sustentavam o agora Império Romano. Com as rápidas transformações nas
atividades produtivas e nas estruturas políticas e sociais a demanda econômica
havia aumentado muito e intensificada a carga de tributos, de forma que
tornavam os conquistados em massas espoliadas, de muitas formas empobrecidas e
sem direitos, que se prestavam ao trabalho escravo [11].
Sob a conhecida Pax Romana o império se
desenvolveu econômica e estruturalmente vindo a construir um notável sistema de
transporte rodoviário e marítimo livre de ladrões e piratas por onde grande
fluxo de capital era negociado. Apesar de a economia ainda ser essencialmente
agrícola, os governadores romanos dedicaram maior atenção ao meio urbano
especialmente agora que as cidades se tornavam cada vez mais complexas.
Atraídos por essas facilidades e pelas imaginárias expectativas próprias que o
meio por ora oferecia, Roma cresceu vertiginosamente devido à diversidade de
segmentos que a procuravam.
Muitos desses segmentos conservavam, nas particulares
formas de cultuarem suas divindades, lembranças de suas raízes pátrias que os
unia em agremiações de certo modo distintas e estruturadas. A difícil condição
desses grupos emigrantes e na maioria estrangeiros considerados residentes
não-cidadãos não ficava alheia ao governo central, pois viviam sob tensão entre
si e era necessária apenas uma pequena faísca para que uma situação adversa se
instalasse.
Wayne Meeks nos informa que dentre esses segmentos
étnicos alguns que se destacavam por influência e/ou quantidade buscavam até
mesmo privilégios, mas pouco conseguiam visto que uma abertura poderia servir
de prerrogativa para futuras reivindicações de outros. Dessa forma, tanto os
residentes quanto os cidadãos gregos e romanos estavam sob o mesmo olhar,
mesmas regras e disciplinas impostas pelo governo para que não houvesse
inconvenientes entre eles. Meeks acrescenta que
Dois ou até três grupos organizados de residentes deviam existir lado a
lado, ou então, os cidadãos gregos e romanos precisavam estar plenamente
integrados entre si. Entre os residentes estrangeiros, que conviviam com os
cidadãos romanos e com os cidadãos da própria cidade, um grupo ocupava posição
especial. Os judeus normalmente se achavam organizados como comunidade distinta
governada por suas leis e instituições próprias e com frequência reivindicavam,
às vezes com sucesso, igualdade com os cidadãos romanos
[12].
Na ocasião da Carta de Paulo aos
Romanos, Nero estava no seu terceiro ano de governo e uma das questões que não
se podia ignorar na administração imperial era a questão religiosa restaurada
pelo primeiro imperador no ano 31 a.C. Os dois últimos séculos do antigo regime
tinham sido marcados por guerras sangrentas e, com exceção do culto do lar, a
religião havia caído em total descrédito sendo considerada como uma das
principais causas da ruína e falência na Roma Antiga
[13].
Com a morte de Marco Antonio e o fim
do Segundo Triunvirato (e também da Antiga República), Caio Otávio se torna
imperador e reivindica o nome de Augustus. Posteriormente restaura a paz
chamada então de Pax Augusta e absorve também a antiga função religiosa
de Sumo Pontífice (Pontifex Maximus) que cabia aos antigos sacerdotes. Ao
perceber-se com tão grande poder César Augusto instituiu o culto de Roma e do
imperador e restaurou o antigo politeísmo, desde que as divindades fossem
admitidas pelo Estado, incentivando assim o retorno às práticas religiosas. Aos
imperadores, a quem se devia lealdade ilimitada, logo foram atribuídas
características de deuses e os seus cultos usados como meios de dominação
ideológica e promoção pessoal.
Igualando a seus antecessores Nero
seguia fielmente o modelo deixado. Porém, com exceção do exigido culto ao
soberano, não interferia nas administrações locais; o Estado se contentava em
não haver organizações ou associações de caráter subversivo dentro de seus
limites. Quanto às comunidades, nenhuma delas com suas religiões distintas
pretendia ir além de sua esfera limitada ou tornar-se particularmente perigosa
para o Estado [14].
Entre os vários povos do império os judeus que haviam
chegado ainda na Era Helênica já tinham se espalhado alcançando também Roma
onde estabeleceram várias sinagogas. Por seus preceitos, eram fechados,
exclusivistas, e ao contrário das outras religiões do império o seu culto não
oferecia nenhuma atração fantasiosa sendo, por isso, e pelas exigências que
apresentava, considerado ridículo e desprezível. Além disso, a sua ausência na
cerimônia oficial devotada ao imperador era mal vista e tida como ato de
deslealdade.
Contrariamente ao judaísmo, que apesar das
desconfianças era respeitado por sua antiguidade, os cristãos eram mal vistos
não apenas por se recusarem a prestar o culto ao imperador, mas como
associações religiosas não-licenciadas (collegia illicita) que
praticavam, segundo comentários, atos de canibalismo em função do não
entendimento do sacramento cristão da ceia comunitária.
Nesse contexto de tantas dificuldades, injustiças e
incertezas a mensagem cristã de amor desinteressado, a sua história de um Deus
que se encarna tornando-se salvador, e a proclamação de uma firme esperança de
vida após a morte foi se tornando conhecida não apenas por sua ética
diferenciada e exigente, mas também como opção àqueles que buscavam algo mais
do que o meramente ritual. Somado às interpretações do cumprimento da redenção
anunciada por séculos de profecia hebraica, o anúncio do Evangelho rapidamente
atraiu homens, mulheres e crianças, pobres e desprivilegiados, na esperança de
que a promessa da segunda vinda de Cristo e o estabelecimento do seu Reino de
justiça na terra se cumprisse em breve [15].
Valdenir Soares - Teólogo e Professor
Comentários
e/ou observações: valdenirtre@gmail.com
* Texto baseado nos tópicos 3.1 e 3.2
(Aspectos Sociopolíticos e Aspectos sociorreligioso). Parte da Análise Sócio-histórica
de: SOARES, Valdenir. Uma fé viva e eficaz: propostas para a vida cristã a
partir de Romanos 1.7-17. Trabalho de Conclusão de Curso. Seminário
Teológico de Fortaleza (IPIB). Fortaleza, Ceará, 2004.
Referências
bibliográficas
[1] PAUL, André. O judaísmo tardio - história política.
São Paulo: Paulinas, 1983, p. 53.
[2] PAUL, op. cit., p. 55.
[3] MURPHY-O’CONNOR, Jerome. Paulo - biografia crítica.
São Paulo: Loyola, 2000, p. 97.
[4] PAUL, op. cit., p. 55.
[5] MURPHY-O’CONNOR, op. cit., p. 28, 151/2.
[6] GOODMAN, Martin. A classe dirigente da Judéia -
as origens da revolta judaica contra Roma 66-70 d.C. Rio de Janeiro:
Imago, 1994, p. 16.
[7] MURPHY-O’CONNOR, op. cit., p. 152.
[8] MONTANELLI,
Indro. Historia de Roma. São Paulo: BRASA, 1961, p. 273.
[9] GOODMAN,
op. cit., p. 27, 181.
[10] MURPHY-O’CONNOR, op. cit., p. 23.
[11] MORAES,
José Geraldo Vinci de. Caminho das civilizações - da Pré-História
aos dias atuais. São Paulo: Atual, 1993, p. 73/4.
[12] MEEKS,
Wayne A. Os primeiros cristãos urbanos - o mundo social do apóstolo Paulo.
São Paulo: Paulinas, 1992, p. 28.
[13] GIORDANI,
Mário Curtis. História de Roma. 10ª ed. Petrópolis: Vozes, 1990, p. 61.
[14] BALSDON, J. P. V. D. (Org.). O mundo Romano. Rio de Janeiro: Zahar, 1968, p. 189.
[15] BALSDON,
op. cit., p. 194/5.
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